O calendário já está sendo afetado, tanto de produção, quanto de distribuição. No caso de distribuição, nós tivemos o primeiro caso do filme do 007, que foi jogado para o final do ano, mas daí seguiu com o adiamento de Um Lugar Silencioso - Parte 2, Mulan, Viúva Negra (que ainda está sem data), Minions 2, o coitado do filme dos Novos Mutantes (que está sendo adiado há um tempão, parece ser uma bomba, devem estar dando Graças a Deus para não precisar estar fazendo publicidade para esse filme neste momento), e tem o caso do Velozes e Furiosos 9, que eu acho que foi o mais radical até agora: para não abrir mão da ideia de lançar nos primeiros meses do ano, ao invés de lançar em outro mês, eles jogaram para 2021 a estreia, ainda na janela março-abril. Isso acontece porque são os meses em que essa franquia consegue seu público melhor, até pelo público chinês de Velozes e Furiosos, que é muito, muito grande. Então, nessa pandemia, com foco específico na China, esse seria um filme que seria muito prejudicado. Sobre o calendário de produção, aí é mais preocupante: as séries da Disney Plus foram todas canceladas, Jurassic World 3 adiado, a série do Senhor dos Anéis da Amazon também era uma grande aposta e também teve a produção parada, Animais Fantásticos e Onde Habitam 3, Matrix 4, Avatar 2 também que está sendo feita há 10 anos para mais e a produção parou agora, a Disney também parou os remakes que iam fazer de A Pequena Sereia, Esqueceram de Mim, Peter Pan. Grandes diretores também, não apenas dos Estados Unidos, estão parando as suas produções: teve o Guillermo Del Toro, que tinha uma produção grande que estava acontecendo agora e parou, cineastas orientais como Wong Kar-Wai e Jia Zhangke, os dois chineses, um de Taiwan e outro da China central, também pararam a produção dos seus filmes. Então, afeta tudo que é tipo de cinema, desde o maior até produções menores. Eu mesmo tinha um curta-metragem que iria estar filmando no final de Abril, mas já cancelamos essa filmagem. Então afeta todos os calendários de produção cultural do mundo inteiro”, Giodarno Gio, cineasta gaúcho.
Sobre o streaming não ser uma opção para os grandes lançamentos eu acho que é algo que pode mudar. Acho que é algo que pode ter posições revistas em relação a isso. Não sei se conta Mulan e Viúva Negra, mas deve ser algo que a Disney vem estudando loucamente. Acho bem improvável que Viúva Negra seja lançado em VoD, mas não seria tão afirmativo quanto à Mulan. Então, é de se repensar, assim, porque eu acho que existe uma valorização de assistir grandes filmes, considerados espetáculos visuais, no cinema. Mas quando isso se torna inviável por uma força externa, como se resolve né? É algo que está todo mundo discutindo, tanto a nível fenomenológico, quanto a nível econômico. Acredito que é necessário um forte apoio estatal em todos setores, em todos lugares do mundo — mas já que estamos falando de cinema, é preciso de apoio para que o setor de exibição não entre em colapso nesse tempo que vai ficar sem retorno, e também para os setores de distribuição conseguirem se manter com apoio para desenvolvimento e para pós-produção, que são coisas que é possível fazer remotamente em homme office. Então, tem uma série de medidas que precisam acontecer do poder público no mercado que é tradicionalmente privado nos Estados Unidos. É necessária uma reforma, uma restauração do pensar de como fazer essa arte e como manter essa arte viva”. Giordano Gio, cineasta e historiador.Em 2019, por exemplo, o Netflix lançou em seu catálogo o filme O Irlandês, de Martin Scorcese. O lançamento e produção de filmes alternativos já tem sido uma realidade para as plataformas de streaming. Contudo, ainda há a questão da necessidade de outras formas de fruição dos conteúdos que vão além dos dispositivos disponíveis em casa. “Seguimos para o digital. Contudo, o cinema tradicional ainda é uma experiência e, antes de sua extinção, vejo que cinema e o streaming seguirão lado a lado, mas em velocidades e direções diferentes, obviamente”, conclui o co-fundador do Feededigno, Guto Souza.
Acredito que, talvez, por ser algo sem precedentes, tanto uma pandemia com esse nível de globalização, quanto o fato de isso acontecer num momento em que nós temos uma ferramenta como a internet, poderá haver sim um reaprendizado do valor da internet enquanto uma plataforma de circulação de informação e de conteúdo. As próprias empresas, artistas e produtores culturais devem entender a potência da circulação de informações e isso possa vir a ressignificar o mercado cultural de alguma maneira, o que não significa necessariamente asfixiar as mídias tradicionais. Deve-se encontrar um meio de coexistência, mas, sem dúvida, nós vemos vários artistas fazendo lives, apresentações de musicais, oficinas e workshops, muitos cineastas liberando filmes em plataformas de streaming e também e-books, acredito que tudo isso estimula um repensar da circulação da arte na contemporaneidade. Mas ainda é muito cedo para afirmar que mudança é essa e o que vai vir depois da pandemia, depois dessa tempestade. Está tudo muito estranho”, Giordano Gio, cineasta e historiador.Por fim, o co-fundador do Feededigno, Guto Souza, relembra a clássica máxima: “Ano após ano o avanço tecnológico e o meio digital avançam a passos largos — podemos dizer que avanços de 10 anos, atualmente, seriam realizados em dois. Então com esse pensamento, acredito que cada vez mais estamos caminhando para algum episódio de Black Mirror, o OASIS de Jogador Nº1, ou uma Matrix, na pior das hipóteses. Antes de duvidar, lembre-se dos filmes de sci-fi de 20, 15 ou 10 anos atrás. ‘A arte imita a vida ou a vida imita arte?’”, brinca. A pesquisadora com interesse no universo geek, Adriana Amaral, também complementa com outra referência à cultura pop: “Uma coisa é certa: as pessoas não vão deixar de gostar da cultura pop, não vão deixar de apreciar e consumir seus produtos, elas vão achar um outro jeito de fazer isso. Citando ‘Jurassic Park’: a vida dá um jeito de circular, de voltar à tona”, conclui.