Na data de ontem (03/11) teve grande repercussão na internet e redes sociais o resultado da sentença do caso Mariana Ferrer, que teria sido vítima de estupro por parte do empresário André de Camargo Aranha, em um beach club de Florianópolis. Ao que se extrai da denúncia do Ministério Público, a vítima teria ingerido bebida alcoólica e não consentido relação sexual com o acusado.
O processo foi julgado pela 3ª vara criminal da Capital e corre em segredo de justiça, ou seja, somente pessoas que tenham alguma relação com o processo podem ter acesso a sua integralidade (petições, vídeos, resultados de perícias, íntegra de depoimentos e etc.).
Todavia, restou divulgado nas mídias trecho do vídeo da audiência de instrução e julgamento, que durante o depoimento, a vítima Mariana Ferrer é esculachada pelo advogado de defesa de Aranha, que lhe ofende e falta com respeito durante todo o trecho divulgado, sendo assistido pelo juiz e promotor que acompanhavam o ato e nada fizeram para cessar os abusos cometidos pelo defensor.
Circulou na tarde desta terça feira ainda, a íntegra sentença da 3ª vara criminal da Capital que julgou a denúncia contra Aranha improcedente, para absolvê-lo com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, ou seja, por não existir provas suficientes para a condenação.
Ao que se extrai do processo, Mariana nunca havia tido relação sexual (era ‘virgem’), sendo que o laudo pericial realizado 24 horas após o ocorrido, constatou a prática de conjunção carnal e a ruptura recente do hímen, além de que a vítima havia ingerido alguma bebida alcoólica, porém não estava alcoolizada ou que tenha tido contato com substancias ilícitas (drogas), a deixando vulnerável.
As testemunhas ouvidas e que estiveram na presença da vítima no dia (antes e após o ocorrido), afirmaram em juízo que a mesma estava consciente, um pouco ‘alegre’, mas nada que demonstrasse um estado de inconsciência ou que tivessem sido alertados do referido estupro.
Frisa-se que, em nenhum momento da sentença, a qual foi proferida em 09/09/2020 e possui 51 páginas, o juiz utilizou a expressão ”estupro culposo” (que de fato, não existe em nosso ordenamento jurídico), bem como o acusado não foi absolvido por ter cometido ato sexual sem intenção de estuprar, mas sim porque os depoimentos das testemunhas iam de encontro ao restante das provas do processo.
Independente do mérito da questão, se houve ou não estupro, não temos como manifestar um juízo de valor pois, como já mencionado, não temos acesso a integralidade do processo, mas apenas trechos dos depoimentos e laudo pericial que foram colacionados na sentença do magistrado que julgou e acabou “vazando” na tarde de ontem. Da sentença, coube recurso dentro do prazo ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina para reforma da decisão.
O que temos que analisar neste momento de repercussão geral, é a forma como a vítima foi tratada na ‘sala de audiência’, pelo advogado de defesa de Aranha que a todo momento lhe desrespeitou e que foi aceito de forma omissa pelo juiz e promotor que ali estavam presentes e que só interviram para dizer: “Mariana, se você precisar de um tempo para se recompor, podemos suspender o ato”, quando a mesma já estava aos prantos implorando por respeito.
O Estatuto da Advocacia em seu artigo 6º dispõe que não há hierarquia nem subordinação, entre advogados, juízes e promotores, devendo todos tratar-se com respeito, o que evidentemente, deve se estender as partes do processo, seja ela vítima ou acusado. Além de lhe faltar com o devido respeito e causar na vítima a revitimização, o advogado rasgou a nossa Constituição Federal para afrontar-lhe também os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e sua honra.
O que se viu naquele trecho de audiência não pode, de forma alguma, representar nosso sistema judiciário, que deve buscar pela justiça dentro dos preceitos de lei, e não se omitir diante de um “show de horrores”.
Porém, aquilo não foi um caso isolado, é cada vez mais frequente os abusos em audiências e sua condução de forma desrespeitosa e machista, além da inversão de papéis quando estamos diante de processos que envolvem crimes de violência doméstica e os defensores tentam justificar agressões alegando a culpa exclusiva da vítima, tentando eximir os agressores de qualquer penalidade.
Inclusive, recentemente a 1ª turma do STF absolveu um acusado de Feminicídio por entender que a vítima havia lhe ferido a honra por trocar mensagens amorosas com outra pessoa, quando já havia terminado seu relacionamento com o agressor, que desferiu contra ela três facadas, levando a óbito.
A OAB de Santa Catarina, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público já estão apurando o ocorrido, mediante representação disciplinar em face dos envolvidos, que se comprovados os abusos sofrerão as penalidades cabíveis.
Conforme ainda divulgado pelo site theintercept.com ontem à noite, “a expressão estupro culposo foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explica-lo para o público leigo. O artificio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo”.
Analisado todo o ocorrido na data nas últimas 24 horas, percebe-se que muitos internautas e páginas, como maneira de expressar sua indignação e apoio à Mariana, acabaram propagando uma ideia distorcida do caso sob o argumento de que o juiz teria “absolvido por estupro culposo”, o que nunca ocorreu, caracterizando suposta “Fake News” (notícias falsas).
É importante sabermos que o exercício de nenhum direito fundamental é absoluto, nem a liberdade de pensamento, nem a liberdade de informar. O compartilhamento de notícias não verificadas e sua procedência, caracteriza-se irresponsável, podendo quem compartilhou ser penalizado pelos crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, que tratam de difamação, injúria e calúnia.
Neste momento, cabe a nós repensarmos no que temos feito contra o machismo em nossa sociedade, para conter desrespeitos e assédios contra as mulheres. Não dá mais para tolerar condutas como a ocorrida na audiência de Ferrer, que se utilizou de conduta de defesa ultrapassada ao tentar dar causa ao alegado estupro por culpa da vítima ou suas postagens nas redes sociais.
Fica a reflexão, o que você, caro(a) leitor(a), tem feito para ajudar a combater a violência e machismo contra as mulheres? Será que todas as publicações que você compartilha em suas redes sociais são verificadas e condizem com a verdade absoluta?
Deixe sua opinião nos comentários, através do meu Instagram @tamiresnazario.adv ou e-mail tamiresnazario.adv@gmail.com
Até breve!